Lúcio Cardoso

Joaquim Lúcio Cardoso Filho foi um escritor romancista, dramaturgo, tradutor, jornalista, poeta e artista plástico. De grande importância para a literatura brasileira e para a cultura mineira, foi autor de diversas obras, dentre elas o romance “Crônica da Casa Assassinada”, considerado sua obra prima e um clássico da literatura nacional.

Nasceu em 14 de agosto de 1912, na cidade de Curvelo/MG. Passou sua primeira infância em Belo Horizonte e em março de 1923 muda-se para o Rio de Janeiro. Lúcio Cardoso retorna para Belo Horizonte em 1924, a fim de complementar os estudos no Colégio Arnaldo como aluno interno.

Obras

Juventude e iniciação na carreira literária

Lúcio nunca teve gosto pelo estudo oficial, pelas matérias e currículos feitos para conferir diploma. Os idiomas, instrumento verbal, a sabedoria de viver e de morrer, foi adquirido com a descoberta do livro.

Em 1929, retorna ao Rio de Janeiro. Apesar de ser considerado um péssimo aluno, lia tudo que lhe caia às mãos: a obra de Eça de Queiros, os romances de Conan Doyle, os contos de Hoffmann, Dostoiéviski, Tolstoi, Lessage, Wilde, entre outros.

Foi nessa época a primeira experiência de dramaturgo, a peça “Reduto dos Deuses”, com elogios de Aníbal Machado, e, segundo o próprio Lúcio Cardoso, era “pretensiosa e anarquista”.

Por volta de 1930, inicia então suas experiências como romancista e faz publicações em jornais. Conhece Augusto Frederico Schmidt, que possuía uma editora instalada no mesmo prédio em que trabalhava.

Em 1932 conhece o cenógrafo e artista gráfico Tomás Santa Rosa e aprofunda o gosto pelo teatro. Com Santa Rosa funda uma revista de literatura, “Sua Revista”, com duração efêmera.

Estes relacionamentos profissionais foram fundamentais para que em 1934, pela Editora Schmidt e com a capa feita por Santa Rosa, Lúcio publicasse seu primeiro livro, “Maleita”, que foi saudado pelos melhores críticos da época. 

Segundo relato do crítico literário Agrippino Grieco:

“Talento admirável, como rara vezes tratando-se de autor tão jovem. (…) É um romancista, mas poderia ser também, se lhe aprouvesse, um grande poeta trágico”.

Em “Salgueiro”, no ano de 1935, o crítico literário Álvaro Lins denunciaria os primeiros sintomas do romance introspectivo, psicológico, que viria a ser o forte da expressão do grande escritor.

Em 1936 com a publicação de “A Luz do Subsolo”, Lúcio Cardoso já tem pleno domínio de sua nova atmosfera romanesca.

Nos anos que se seguiram podemos destacar:

  • 1938 – “Mãos Vazias” (novela);
  • 1939 – “História da Lagoa Grande” (contos infantis);
  • 1940 – “O Desconhecido” (novela) e “Céu Escuro” (novela);
  • 1941 – “Poesias”;
  • 1943 – “Dias Perdidos” (romance);
  • 1944 – “Inácio” (novela) e “Novas Poesias”;
  • 1946 – “O Anfiteatro” (novela) e “A Professora Hilda” (novela).

Em 1943 acontece a estréia pelo grupo de teatro “Os Comediantes”, da peça “O Escravo”, de Lúcio, da qual diria o crítico Sábato Magaldi:

“Cronologicamente “O Escravo” foi a primeira tentativa da renovação do palco brasileiro”.

Lúcio Cardoso continuaria contribuindo por uma renovação cultural do nosso teatro. Peças suas foram encenadas nos próximos anos: “A Corda de Prata” (1947), “O Filho Pródigo” (1947) e “Angélica” (1950).

Metáforas e paradoxos

No ano de 1956, entrega ao editor os originais de “Crônica da Casa Assassinada”, com publicação apenas em 1959, sua obra-prima. 

Conta por meio de cartas a história dos Meneses, uma respeitada família que vive em uma pequena comunidade mineira, mas que estão em franca decadência social e moral. A partir dos diferentes relatos dos personagens que se enfrentam e se contradizem, narram situações cujos temas centrais são o adultério, a loucura, ciúmes, amores proibidos, violência e rancores. A grande chácara é a casa vista com orgulho, reverência e desconfiança por todos que conhecem a família, até a chegada de uma mulher que irá abalar as difíceis relações. Com uma linguagem extremamente metafórica, este romance narra um esquema complexo e paradoxo, tornando-se um dos livros mais cultuados da literatura brasileira, tendo sua tradução para o francês, italiano e inglês.

Com o nome em relevância graças ao sucesso gerado por sua obra-prima, Lúcio Cardoso encontra condições para concretizar seu projeto de publicação de um diário íntimo.  Em 1961, Lúcio lança o primeiro volume de seu “Diário” (1949 a 1951).

Incursão pela arte cinematográfica

Dentro do cinema sua presença já estava marcada, com o roteiro que escreveu para o filme de Paulo César Sarraceni, “Porto das Caixas”.

Exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes em 1963, o filme conta a história de uma mulher que, maltratada pelo marido, vai à cidade de Porto das Caixas em busca da ajuda de alguém para matá-lo.

Com a história adaptada do livro “The Postman Always Rings Twice” de James M. Cain, e com a inspiração do caso de homicídio ocorrido no final dos anos 1940 no Rio de Janeiro conhecido como “o crime da machadinha”, Lúcio Cardoso roteiriza este longa-metragem que marca o pioneirismo do movimento do Cinema Novo brasileiro.

Seu filme, como diretor e roteirista, ficaria inacabado – “A Mulher de Longe”, que seria a sua estreia como cineasta.

A pintura como forma de expressão

Em 1962, aos 50 anos, sucede-lhe o derrame cerebral que paralisou o lado direito do seu corpo e comprometeu sua capacidade de falar. Impossibilitado de dar continuidade à sua obra literária, passou a residir a partir de então com sua irmã, Maria Helena, e começou a pintar como parte de sua recuperação diante da necessidade de criar.

Sem limitar-se à sua nova manifestação artística como terapia ocupacional, Lúcio Cardoso se dedicou à pintura e ao desenho como elemento subsidiário à função literária. Concebia plasticamente os cenários de suas peças, a feição de seus personagens e os locais em que se desenrolava a ação dos romances.

Realizou quatro exposições individuais em galerias de arte: Rio de Janeiro (1965 e 1968), São Paulo (1965) e Belo Horizonte (1966).

"Arquivos Implacáveis", de João Condé.
Revista "O Cruzeiro", Edição 040, 16 de Julho de 1955.
Lúcio Cardoso recebendo o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra, 1966.

Seu talento foi reconhecido pela Academia Brasileira de Letras, que lhe conferiu, em 1966, o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Dois anos antes de falecer em 22 de setembro de 1968, na cidade do Rio de Janeiro, aos 56 anos, vítima de um segundo AVC.

Após o falecimento do irmão, Maria Helena Cardoso dedicou-se a publicar junto à editora José Olympio um novo volume do diário de Lúcio com as anotações já editadas a outras inéditas. No ano de 1970 acontece a publicação de “Diário completo”.

A pluralidade artística de Lúcio impulsionou uma nova abordagem literária intimista, de conflitos subjetivados no consciente e no inconsciente, de manifestações confessionais, de prosas simbólicas e de poesias dramáticas. Habilidades devidamente reconhecidas no seu tempo e nos dias de hoje, que inspirou escritores como Clarice Lispector, Autran Dourado, Caio Fernando Abreu, Milton Hatoum, entre outros, e que ainda inspira gerações com obras fundamentais à serem lidas por todos.

Todas as imagens de obras pictóricas de Lúcio Cardoso contidas nesta página estão disponíveis no acervo virtual do MASC (Museu de Arte de Santa Catarina) e podem ser visualizadas clicando aqui . O museu autoriza a reprodução das imagens de uso livre para fins de pesquisas acadêmicas e uso não comercial.

Fontes:
Diário Completo, Lúcio Cardoso – ed. José Olympio, 1970
Por onde andou meu coração, Maria Helena Cardoso – ed. José Olympio, 1967